Parashat Mishpatim - O Escravo Hebreu: em Shemot, Vaicrá e Devarim

Neste estudo, elaborado pelo rabino Dr. Zev Farber, aprendemos por meio do exemplo clássico dado nesta Parashá, como é utilizada a crítica de fontes, ao lidar com a legislação da Torá. Já falamos aqui no grupo, das questões éticas sobre a escravização (consulte aqui ). Neste estudo não abordaremos a ética da questão, mas avaliaremos as tradições que trouxeram leis e usaremos o tema, apenas como guia, como exemplo.

Com isso, construímos um pouco mais, o entendimento de que o estudo crítico, acadêmico é fundamental para entendimento profundo do texto sagrado. Usem esta oportunidade para aprender mais sobre este importante método.

Introdução: Coleções de Direito Bíblico

Quando pensamos na lei judaica, a maioria de nós imagina a imagem de obras como o Mishneh Torá do Rambam ou o Shul'han Aru'h do rabino Iossef Karo. Esses livros foram organizados por tema e tratam de Halahá sistematicamente. A Torá, no entanto, não funciona assim.

A Torá não contém códigos jurídicos literalmente, mas coleções de leis, ou seja, tratamentos incompletos de tópicos em ordem aleatória. Mais importante ainda é notar que, a Torá não tem uma única coleção, mas várias coleções. Elas se sobrepõem numa série de leis às vezes concordando e, por vezes, se contradizendo.

O estudo bíblico acadêmico revela tudo isso, seguindo as evidências textuais, linguísticas, antropológicas e arqueológicas, para concluir que essas coleções foram compiladas por diferentes editores/autores, em diferentes épocas e lugares da história israelita antiga.

Embora todas as fontes tradicionais se sobreponham a um conceito de lei comum israelita — semelhante à lei comum do Antigo Oriente Próximo a partir da qual códigos como Hamurabi e Eshnuna se fundamentam — o editor/autor que escreveu cada coleção, reflete apenas uma perspectiva histórica e geográfica, que é diferente das outras e tem sua própria interpretação do que a lei deveria ser.

Ao contrário de certas narrativas (como Noah ou os israelitas à beira-mar), os redatores da Torá não combinaram essas coleções em um único documento. Em vez disso, cada coleção permanece distinta. Assim, as leis apresentadas em cada coleção são facilmente comparadas para ver as semelhanças e diferenças.

Neste estudo, analisaremos várias apresentações de leis hebraicas de escravos, explorando onde elas se sobrepõem e onde contradizem, para tentar entender como cada apresentação via a escravidão hebreia.

O ser humano escravizado por seis anos – Shemot vs. Devarim

A Lei do Hebreu Escravizado: Shemot

Parashat Mishpatim começa com a lei dos hebreus escravizados:

(ב) כִּ֤י תִקְנֶה֙ עֶ֣בֶד עִבְרִ֔י שֵׁ֥שׁ שָׁנִ֖ים יַעֲבֹ֑ד וּבַ֨שְּׁבִעִ֔ת יֵצֵ֥א לַֽחׇפְשִׁ֖י חִנָּֽם׃ (ג) אִם־בְּגַפּ֥וֹ יָבֹ֖א בְּגַפּ֣וֹ יֵצֵ֑א אִם־בַּ֤עַל אִשָּׁה֙ ה֔וּא וְיָצְאָ֥ה אִשְׁתּ֖וֹ עִמּֽוֹ׃ (ד) אִם־אֲדֹנָיו֙ יִתֶּן־ל֣וֹ אִשָּׁ֔ה וְיָלְדָה־ל֥וֹ בָנִ֖ים א֣וֹ בָנ֑וֹת הָאִשָּׁ֣ה וִילָדֶ֗יהָ תִּהְיֶה֙ לַֽאדֹנֶ֔יהָ וְה֖וּא יֵצֵ֥א בְגַפּֽוֹ׃ (ה) וְאִם־אָמֹ֤ר יֹאמַר֙ הָעֶ֔בֶד אָהַ֙בְתִּי֙ אֶת־אֲדֹנִ֔י אֶת־אִשְׁתִּ֖י וְאֶת־בָּנָ֑י לֹ֥א אֵצֵ֖א חׇפְשִֽׁי׃ (ו) וְהִגִּישׁ֤וֹ אֲדֹנָיו֙ אֶל־הָ֣אֱלֹהִ֔ים וְהִגִּישׁוֹ֙ אֶל־הַדֶּ֔לֶת א֖וֹ אֶל־הַמְּזוּזָ֑ה וְרָצַ֨ע אֲדֹנָ֤יו אֶת־אׇזְנוֹ֙ בַּמַּרְצֵ֔עַ וַעֲבָד֖וֹ לְעֹלָֽם׃ {ס}

Se você adquirir um escravizado hebreu, ele deve trabalhar durante seis anos; mas no sétimo [ano], ele será libertado sem pagar nada. Se ele veio solteiro, deverá sair solteiro; se veio casado, sua mulher deverá acompanhá-lo quando ele sair. No entanto, caso seu senhor lhe tenha dado uma mulher, e ela tiver dado à luz filhos ou filhas, então a mulher e os filhos pertencerão ao senhor, e ele sairá sozinho. Mesmo assim, se o escravizado declarar: Amo meu senhor, minha mulher e meus filhos, por isso não desejo ser libertado, o senhor deverá levá-lo diante de HaShem, o Elohim e ali, junto à porta ou ao batente, seu senhor deverá lhe furar a orelha com um furador; e o homem será escravizado dele por toda a vida.

A lei tem três partes principais:

Um hebreu escravizado servia 6 anos, e deveria ser libertado depois deste prazo. Ele saía sem pagamento – com uma esposa se ele tivesse uma antes de vir - ou sem uma esposa se não tivesse vindo com uma. O mesmo para mulheres escravizadas ou filhos daqueles escravizados. Se aquele hebreu escravizado se voluntariasse para ficar, o mestre furaria a orelha da pessoa, num batente e com este rito, a pessoa se tornaria alguém escravizado de modo vitalício.

[Se deixarmos a parte 2 de lado por um momento, podemos ver que a parte 1 e a parte 3 funcionam juntas. A lei básica é que um hebreu escravizado deveria ser libertado após seis anos de serviço, mas ele poderia se voluntariar para a servidão permanente se assim desejasse. A parte 2 é um comentário de duas partes na parte um. A estrutura geral fica assim: um mestre deveria libertar seu escravizado após 6 anos de trabalho. O mestre não precisaria pagar ao escravizado quando o libertar. Se ele sairía com sua esposa se tivesse vindo com ela]

Esta lei sobre homens escravizados é seguida por uma segunda lei, também introduzida pelo termo “quando” (כי), que diz respeito às mulheres escravizadas:

A Lei da esposa escravizada

(ז) וְכִֽי־יִמְכֹּ֥ר אִ֛ישׁ אֶת־בִּתּ֖וֹ לְאָמָ֑ה לֹ֥א תֵצֵ֖א כְּצֵ֥את הָעֲבָדִֽים׃ (ח) אִם־רָעָ֞ה בְּעֵינֵ֧י אֲדֹנֶ֛יהָ אֲשֶׁר־[ל֥וֹ] (לא) יְעָדָ֖הּ וְהֶפְדָּ֑הּ לְעַ֥ם נׇכְרִ֛י לֹא־יִמְשֹׁ֥ל לְמׇכְרָ֖הּ בְּבִגְדוֹ־בָֽהּ׃ (ט) וְאִם־לִבְנ֖וֹ יִֽיעָדֶ֑נָּה כְּמִשְׁפַּ֥ט הַבָּנ֖וֹת יַעֲשֶׂה־לָּֽהּ׃ (י) אִם־אַחֶ֖רֶת יִֽקַּֽח־ל֑וֹ שְׁאֵרָ֛הּ כְּסוּתָ֥הּ וְעֹנָתָ֖הּ לֹ֥א יִגְרָֽע׃ (יא) וְאִ֨ם־שְׁלׇשׁ־אֵ֔לֶּה לֹ֥א יַעֲשֶׂ֖ה לָ֑הּ וְיָצְאָ֥ה חִנָּ֖ם אֵ֥ין כָּֽסֶף׃ {ס}

Se um homem vender sua filha como escrava, ela não será libertada como os escravos. Se seu senhor se casar com ela, mas decidir posteriormente que ela não lhe agrada mais, ele deverá permitir que ela seja resgatada. Não lhe é permitido vendê-la a um povo estrangeiro, pois ele a tratou de modo injusto. Se ele a tiver dado em casamento ao filho, deverá tratá-la como filha. Se ele se casar com outra mulher, não deverá reduzir a quantidade de alimento dela, nem diminuir-lhe [a quantidade de] roupas ou [a frequência aos] direitos conjugais.

[O sentido do termo עונה {Onah - cópula} é debatido. Tradicionalmente, é traduzido como "direitos conjugais". Etimologicamente porém, muitos acham que “abrigo, ato de cobrir” seria a melhor tradução, relacionando-o com o termo מעון – Maon, que hoje em dia refere-se a creche ou centro de cuidados.]

Se ele não lhe conceder esses três direitos, ela deverá ser libertada sem ter de pagar nada.

A lei da esposa escravizada, também está em três partes, mas inverte a estrutura da lei figura masculina escravizada:

Um homem nunca precisa libertar sua esposa escravizada.

Se ele não a quiser, ele poderia deixar que fosse redimida (mas ele não poderia vendê-la), ou ele poderia casar aquela mulher com seu filho, e se ele se casasse com outra pessoa, ele deveria continuar a apoiá-la e a tratar como esposa em plenos direitos.

Se ele violasse os direitos dela, deveria libertá-la sem qualquer pagamento.

[Como era na lei da escravização, a segunda parte parece ser um comentário, enquanto as partes 1 e 3 compõem a lei básica: Um homem nunca precisa libertar sua esposa escravizada a menos que ele viole seus direitos, em cujo caso, deveria libertá-la e perder seu investimento. Um comentário apresenta ao homem suas opções se ele descobrir que não a quer.]

A figura da mulher na lei da escravização

A lei da escravização faz referência a uma "mulher", de propriedade do mestre, que poderia ser temporariamente dada ao escravizado hebreu, para ter filhos. Como sabemos, pela lei, no caso de uma menina hebreia que fosse vendida pelo pai, não poderia ser tratada como qualquer mulher escravizada, deixando então, duas possibilidades sobre quem essa mulher poderia ser. Ou ela seria como uma mulher não-israelita (vendida ou capturada na guerra), ou ela seria uma mulher israelita, sem um protetor masculino, como um pai, que se vendeu ou foi vendida por outra pessoa, para a escravidão.

[A exegese rabínica assume a possibilidade anterior. Basta ver, por exemplo, o comentário do Rashi no verso, citando a Mehilta:

(א) אם אדניו יתן לו אשה. מִכָּאן שֶׁהָרְשׁוּת בְּיַד רַבּוֹ לִמְסֹר לוֹ שִׁפְחָה כְנַעֲנִית לְהוֹלִיד מִמֶּנָּה עֲבָדִים. אוֹ אֵינוֹ אֶלָּא בְיִשְׂרְאֵלִית? תַּ"לֹ הָאִשָּׁה וִילָדֶיהָ תִּהְיֶה לַאדֹנֶיהָ, הָא אֵינוֹ מְדַבֵּר אֶלָּא בִּכְנַעֲנִית, שֶׁהֲרֵי הָעִבְרִיָּה אַף הִיא יוֹצְאָה בְשֵׁשׁ – וַאֲפִלּוּ לִפְנֵי שֵׁשׁ אִם הֵבִיאָה סִימָנִין יוֹצְאָה – שֶׁנֶּאֱמַר אָחִיךָ הָעִבְרִי אוֹ הָעִבְרִיָּה (דברים ט"ו), מְלַמֵּד שֶׁאַף הָעִבְרִיָּה יוֹצְאָה בְשֵׁשׁ (מכילתא):

(1) - SE SEU SENHOR LHE DER UMA ESPOSA - אם אדניו יתן לו אשה - A partir disso aprendemos que se ele já tem uma esposa israelita, o senhor tem o direito de lhe dar uma serva cananéia com o objetivo de criar escravos. Ou talvez não seja assim, mas as Escrituras [usam o termo] אשה <Ishá> falando sobre uma mulher israelita ?! A Escritura, porém, declara: “a esposa e seus filhos serão do senhor”, consequentemente o texto só pode se referir a uma mulher cananéia, pois uma serva hebreia ficaria livre ao cabo de seis anos, assim como um servo hebreu ficaria - sim, mesmo antes do término de seis anos ela ficaria livre. E se mostrar sinais de puberdade incipiente (cf. Rashi v. 7) - pois é dito, (Devarim 15:12) “[e se] teu irmão, um homem hebreu, ou uma mulher hebreia, [seja vendida a ti e te servindo seis anos, então no sétimo ano tu o deixarás ir livre]”, declaração que te ensina que uma mulher hebreia também ficaria livre depois de seis anos ' serviço (Mehilta d'Rabi Ishmael 21 : 3 : 1; Kidushin 14b).]

Devarim

Outra lei sobre escravização é encontrada na chamada Coleção Deuteronômica, após a discussão da Shemitá, a exigência de perdoar dívidas a cada sete anos, e a exigência de oferecer empréstimos aos pobres, mesmo que o ano Shemitá esteja próximo:

טו:יב כִּֽי יִמָּכֵ֨ר לְךָ֜ אָחִ֣יךָ הָֽעִבְרִ֗י א֚וֹ הָֽעִבְרִיָּ֔ה וַעֲבָֽדְךָ֖ שֵׁ֣שׁ שָׁנִ֑ים וּבַשָּׁנָה֙ הַשְּׁבִיעִ֔ת תְּשַׁלְּחֶ֥נּוּ חָפְשִׁ֖י מֵעִמָּֽךְ:

Caso seu parente hebreu – homem ou mulher – seja vendido a vocês, ele os servirá por seis anos, mas, no sétimo ano, deverão libertá-lo.

טו:יג וְכִֽי תְשַׁלְּחֶ֥נּוּ חָפְשִׁ֖י מֵֽעִמָּ֑ךְ לֹ֥א תְשַׁלְּחֶ֖נּוּ רֵיקָֽם: טו:יד הַעֲנֵ֤יק תַּעֲנִיק֙ ל֔וֹ מִצֹּ֣אנְךָ֔ וּמִֽגָּרְנְךָ֖ וּמִיִּקְבֶ֑ךָ אֲשֶׁ֧ר בֵּרַכְךָ֛ יְ-הֹוָ֥ה אֱ-לֹהֶ֖יךָ תִּתֶּן לֽוֹ: טו:טו וְזָכַרְתָּ֗ כִּ֣י עֶ֤בֶד הָיִ֙יתָ֙ בְּאֶ֣רֶץ מִצְרַ֔יִם וַֽיִּפְדְּךָ֖ יְ-הֹוָ֣ה אֱ-לֹהֶ֑יךָ עַל כֵּ֞ן אָנֹכִ֧י מְצַוְּךָ֛ אֶת הַדָּבָ֥ר הַזֶּ֖ה הַיּֽוֹם:

Supram-no com generosidade do seu rebanho, de sua eira e do seu lagar; deem-lhe das bênçãos recebidas de HaShem, seu Elohim. Lembrem-se de que vocês foram escravizados na terra do Egito, e HaShem seu Elohim, os resgatou; por essa razão, dou esta ordem hoje a vocês.

טו:טזוְהָיָה֙ כִּֽי יֹאמַ֣ר אֵלֶ֔יךָ לֹ֥א אֵצֵ֖א מֵעִמָּ֑ךְ כִּ֤י אֲהֵֽבְךָ֙ וְאֶת בֵּיתֶ֔ךָ כִּי ט֥וֹב ל֖וֹ עִמָּֽךְ: טו:יז וְלָקַחְתָּ֣ אֶת הַמַּרְצֵ֗עַ וְנָתַתָּ֤ה בְאָזְנוֹ֙ וּבַדֶּ֔לֶת וְהָיָ֥ה לְךָ֖ עֶ֣בֶד עוֹלָ֑ם וְאַ֥ף לַאֲמָתְךָ֖ תַּעֲשֶׂה כֵּֽן:

No entanto, se um deles disser a vocês ‘Não desejo deixá-lo’, porque ele ama vocês e sua casa, e porque a vida com vocês é boa… Peguem um furador e furem a orelha dele contra a porta; e ele será seu escravizado para sempre. Façam o mesmo com sua escrava.

טו:יח לֹא יִקְשֶׁ֣ה בְעֵינֶ֗ךָ בְּשַׁלֵּֽחֲךָ֙ אֹת֤וֹ חָפְשִׁי֙ מֵֽעִמָּ֔ךְ כִּ֗י מִשְׁנֶה֙ שְׂכַ֣ר שָׂכִ֔יר עֲבָֽדְךָ֖ שֵׁ֣שׁ שָׁנִ֑ים וּבֵֽרַכְךָ֙ יְ-הֹוָ֣ה אֱלֹהֶ֔יךָ בְּכֹ֖ל אֲשֶׁ֥ר תַּעֲשֶֽׂה: פ

Não se ressintam quando tiverem de libertar um desses escravos, pois durante seus seis anos de serviço ele foi merecedor do dobro do valor de um trabalhador contratado. Então, HaShem, seu Elohim, os abençoará no que fizerem.

A Sobreposição Entre Shemot e Devarim

Nota-se que a estrutura desta legislação é mais complexa do que a do Sefer Shemot, mas as duas leis compartilham uma estrutura semelhante e alguma linguagem comum:

Shemot

כא:ב כִּ֤י תִקְנֶה֙ עֶ֣בֶד עִבְרִ֔י שֵׁ֥שׁ שָׁנִ֖ים יַעֲבֹ֑ד וּבַ֨שְּׁבִעִ֔ת יֵצֵ֥א לַֽחָפְשִׁ֖י...

Quando você adquirir um escravizado hebreu, ele deve servir seis anos; no sétimo ano ele deve ficar livre…

כא:ה וְאִם אָמֹ֤ר יֹאמַר֙ הָעֶ֔בֶד אָהַ֙בְתִּי֙ אֶת אֲדֹנִ֔י אֶת אִשְׁתִּ֖י וְאֶת בָּנָ֑י לֹ֥א אֵצֵ֖א חָפְשִֽׁי: כא:ו וְהִגִּישׁ֤וֹ אֲדֹנָיו֙ אֶל הָ֣אֱלֹהִ֔ים וְהִגִּישׁוֹ֙ אֶל הַדֶּ֔לֶת א֖וֹ אֶל הַמְּזוּזָ֑ה וְרָצַ֨ע אֲדֹנָ֤יו אֶת אָזְנוֹ֙ בַּמַּרְצֵ֔עַ וַעֲבָד֖וֹ לְעֹלָֽם:

Mesmo assim, se o escravizado declarar: Amo meu senhor, minha mulher e meus filhos, por isso não desejo ser libertado,

20 : 6 – o senhor deverá levá-lo diante de Elohim e, ali, junto à porta ou ao batente, seu senhor deverá furar-lhe a orelha com um furador; e o homem será escravizado por toda a vida.

Devarim

טו:יב כִּֽי יִמָּכֵ֨ר לְךָ֜ אָחִ֣יךָ הָֽעִבְרִ֗י א֚וֹ הָֽעִבְרִיָּ֔ה וַעֲבָֽדְךָ֖ שֵׁ֣שׁ שָׁנִ֑ים וּבַשָּׁנָה֙ הַשְּׁבִיעִ֔ת תְּשַׁלְּחֶ֥נּוּ חָפְשִׁ֖י מֵעִמָּֽךְ...

Caso seu parente hebreu – homem ou mulher – seja vendido a vocês, ele os servirá por seis anos, mas, no sétimo ano, deverão libertá-lo.

טו:טז וְהָיָה֙ כִּֽי יֹאמַ֣ר אֵלֶ֔יךָ לֹ֥א אֵצֵ֖א מֵעִמָּ֑ךְ כִּ֤י אֲהֵֽבְךָ֙ וְאֶת בֵּיתֶ֔ךָ כִּי ט֥וֹב ל֖וֹ עִמָּֽךְ: טו:יז וְלָקַחְתָּ֣ אֶת הַמַּרְצֵ֗עַ וְנָתַתָּ֤ה בְאָזְנוֹ֙ וּבַדֶּ֔לֶת וְהָיָ֥ה לְךָ֖ עֶ֣בֶד עוֹלָ֑ם וְאַ֥ף לַאֲמָתְךָ֖ תַּעֲשֶׂה כֵּֽן:

No entanto, se um deles disser a vocês: Não desejo deixá-lo, porque ele ama vocês e sua casa, e porque a vida com vocês é boa,

15 : 17 – peguem um furador e furem a orelha dele contra a porta; e ele será seu escravizado para sempre. Façam o mesmo com sua escrava.

As semelhanças linguísticas incluem:

  • Ele é Hebreu (עברי)
  • Trabalhar por seis anos (שש שנים), livre na sétima (שביעית)
  • Indo livre (חפשי)
  • Amando o mestre (אהב)
  • O furador (מרצע)
  • O ritual de perfurar a porta (דלת)
  • Serviço vitalício (לעלם)

Diferenças entre Shemot e Devarim

Apesar dessa semelhança geral, muitos dos detalhes são diferentes, mesmo nesta seção sobreposta. Em Shemot, ele é chamado de "escravizado". Em Devarim, ele é chamado de "seu irmão".

Em Shemot, além de seu mestre, ele ama sua esposa escravizada e filhos, enquanto em Devarim, o escravizado ama a casa de seu mestre e sua situação de vida, que é descrita como "boa" para ele.

Pagando o Escravo Libertado Após a Libertação

Mas a diferença é ainda mais profunda quando se compara as outras seções dessas leis. De acordo com Shemot, o escravizado sai sem pagamento. De acordo com Devarim, o homem libertado deve ser carregado com gado, grãos e até vinho.

O texto continua a justificar essa exigência com uma série de pontos: O que você tem é uma bênção de HaShem; você já foi escravizado no Egito e a Divindade libertou você; ele (o ser humano escravizado, já) trabalhou para você como um trabalhador contratado, que ganha salário, então ele merece uma compensação.

[Estruturalmente falando, este último ponto (o do verso 18) parece um suplemento, uma vez que se repete muito dos versos 14 e 15, acrescentando o ponto sobre ele ser como um trabalhador contratado (duplo).]

Escravas

A conceituação das mulheres escravizadas difere muito entre esses dois textos.

Em Shemot, uma filha de um homem israelita torna-se uma esposa escravizada e nunca é libertada a menos que mal tratada. Outras mulheres, presumivelmente não-israelitas ou sem a proteção de um homem israelita, eram escravas para a vida toda e [até] usadas para produzir escravos para a próxima geração.

Em Devarim, a escrava hebreia é equivalente ao escravizado hebreu. Ela serve por 6 anos e é libertada no sétimo, e nada no texto sugere — em contraste com Shemot — que ela deveria se casar com seu mestre ou, que poderia servir para criar novos escravos para seu mestre.

[Uma questão que permanece obscura é se o texto mais antigo de Devarim realmente discutia a questão da escrava. Ambas as frases que fazem referência às mulheres, são estranhas, e parecem fora do lugar; especialmente o segundo caso. Além disso, o resto da lei apenas discute a lei da escravização masculina. Ambas as cláusulas poderiam ser removidas sem problemas e o texto seria lido sem complexidades - na verdade, até mais suavemente. Assim, pode ser que as referências às escravas tenham sido adicionadas posteriormente, para deixar claro que Devarim estava descartando a lei em Shemot sobre a situação da esposa-escravizada.]

A Hora da Liberação

Shemot é claro; o hebreu escravizado era solto após seis anos de serviço. Devarim, é menos claro sobre isso, porque coloca a lei a respeito da escrava após a lei do ano de Shemitá (שמיטה).

De acordo com as leis do ano de Shemitá, há um ciclo de sete anos para a questão das dívidas e empréstimos; a cada sete anos, todas as dívidas deveriam ser canceladas.

O ciclo era fixo de tal forma, que o cancelamento não ocorreria seis anos após o empréstimo, mas no ano de Shemitá.

[É por isso que alguns empréstimos eram tidos como de alto risco devido à proximidade com o ano de Shemitá, um problema abordado explicitamente no texto (verso 9, 10).]

Assim, quando Devarim afirma que a pessoa escravizada (homem ou mulher) deve ser libertada no sétimo ano, pode muito bem pretender que eles fossem soltos no ano de Shemitá, não após sete anos de serviço.

[Os próprios rabinos foram meio que ambivalentes, sobre se isso se referiu ao sétimo ano após a venda ou ao ano de Shemitá, embora acabem optando pela primeira opção. Tal qual o Midrash Tanaim.

ובשנה השביעית שביעית למכירה אתה אומר שביעית למכירה או שביעית לשמטה ת”ל שש שנים הוי אומר זו שביעית למכירה (אמר ר’ שמואל אמר הקדוש ברוך הוא כשם שבראתי עולמי לששה ונחתי בשביעי כך כשתקנה עבד עברי שש שנים יעבד ובשנה השביעית תשלחנו חפשי:)

Há uma opinião minoritária entre os rabinos, no entanto, que lê Devarim (e Shemot!) Como se referindo ao ano de Shemitá. Veja o rabino Iossef Behor Shor em Shemot 21 : 2, que diz que a razão pela qual um escravizado era libertado no sétimo ano, seria porque naquele ano, não haveria plantio ou colheita de qualquer forma - referindo-se ao ciclo de sete anos em Vaicrá e não ao ciclo de Shemitá de Devarim - portanto, não haveria nada para o escravizado fazer.

ובשביעית – שאינו חורש וזורע וקוצר ובוצר אינו צריך עבודה כל כך.

]

Isso seria lógico apenas em Devarim, que vê o ano de Shemitá como um retorno aos estados anteriores, semelhante à lei do Iovel em Vaicrá 25; Shemot não tem lei comparável.

[A principal diferença é que o ciclo do ano sabático é a cada sete anos, enquanto o ciclo do Iovel é a cada cinquenta. Vaicrá também tem um ciclo de sete anos (Vaicrá 25 : 3-7), mas não é chamado de שמיטה <Shemitá> e não tem nada a ver com dinheiro, mas sim com deixar a terra repousar. Outra diferença importante é que o ciclo de Shemitá de Devarim trata do cancelamento de dívidas, enquanto o ciclo do Iovel de Vaicrá trata da devolução de terras. Ambos visam evitar uma situação econômica, como um servo hebreu permanente]

Onde o Escravo é Marcado

De acordo com Shemot, o escravizado que quiser ficar mais de seis anos é trazido "ao Elohim (הָאֱלֹהִים)", frase que provavelmente se refere a um santuário local. Shemot nunca insiste na centralidade das celebrações rituais; na verdade, o final do capítulo anterior (20 : 24) o texto observa em referência à construção de altares " (הָאֱלֹהִים)", frase que provavelmente se refere a um santuário local. Shemot nunca insiste na centralidade das celebrações rituais; na verdade, o final do capítulo anterior (20 : 24) o texto observa em referência à construção de altares "em todos os lugares onde fizer com que meu nome seja mencionado (בְּכָל הַמָּקוֹם אֲשֶׁר אַזְכִּיר שְׁמִי)."

Em contraste, o mesmo rito, segundo Devarim 15 : 17, é simplesmente realizado na porta (בַדֶּלֶת) mais provável na casa do mestre; הָאֱלֹהִים <HaElohim> está faltando.

Explicando as Diferenças

Os dois tratamentos têm muita sobreposição para ser mera coincidência, e a maioria dos acadêmicos vê Devarim como uma fonte que toma a lei central em Shemot e a reformula numa imagem, que seria mais aceitável para a escola tradicional deuteronômica.

Assim, em vez de um escravizado hebreu que o mestre deveria libertar, temos um irmão hebreu, trabalhando para você, que é libertado e compensado após a libertação, presumivelmente para que ele não se encontre imediatamente em situação econômica difícil novamente, e acabe escravizado de novo.

Isso deve ser feito por causa de Elohim, que abençoou Israel e libertou da escravidão egípcia, um dos principais temas do Devarim.

Além disso, vários estudiosos sugerem que a regra em Devarim meio que, melhorou a situação das mulheres, e assim estava na verdade, abolindo a lei de Shemot 21 : 7 - 11, onde um pai permite a escravização de sua filha, e em vez disso, trata a escravizada de modo similar ao homem escravizado.

[O Sefer Devarim nunca menciona a possibilidade do servo hebreu ter filhos com uma escravizada não israelita, então não sabemos o que o redator em Devarim diria sobre essa situação. No entanto, o rabino Farber imagina que essa não seria uma opção para o redator deuteronomista, pois implicaria uma condição de escravizado para o hebreu e abriria a possibilidade de uma classe de escravizado hebreu permanente.]

Finalmente, uma vez que o Sefer Devarim insiste na centralização da adoração (ver o capítulo 12), teria sido muito complicado trazer o escravizado que queria ficar em Jerusalém para perfurar sua orelha lá, então o que em Shemot é um ritual religioso, praticado num templo, se tornar um rito secular.

[Este tipo de transformação tipifica o Sefer Devarim, que por exemplo, permite que a carne seja comida sem abate ritual de oferta, e fora de um templo [ver 12 : 11 - 28], o que na literatura rabínica seria chamado de שחיטת חוץ <Shehitat Hutz> (abate do lado de fora); compare com Shemot 20 : 24, que prevê comer apenas carne que foi abatida ritualmente num santuário [local].]

Sétimo ou Quinquagésimo ano – Shemot/Devarim vs. Vaicrá

O terceiro tratamento da escravização, em Vaicrá 25, é muito diferente dos dois primeiros em estilo e conteúdo. O contexto mais amplo da Parashat Behar (Vaicrá 25) descreve a instituição do Iovel, quando a cada 50 anos todas as terras retornam aos proprietários originais ou seus parentes. Todas as compras de terrenos devem ser feitas com esta data fixa em mente (versos 15, 16). A lei sobre escravatura de Vaicrá aparece neste contexto, descrevendo o que acontece quando um conterrâneo que já vendeu sua propriedade, e vive sob seu comando, ficando sem dinheiro:

כה:לט וְכִֽי יָמ֥וּךְ אָחִ֛יךָ עִמָּ֖ךְ וְנִמְכַּר לָ֑ךְ לֹא תַעֲבֹ֥ד בּ֖וֹ עֲבֹ֥דַת עָֽבֶד

Se um membro de teu povo empobrecer a ponto de vender-se a algum de vocês, não o façam realizar a obra do escravizado...

כה : מ כְּשָׂכִ֥יר כְּתוֹשָׁ֖ב יִהְיֶ֣ה עִמָּ֑ךְ עַד שְׁנַ֥ת הַיֹּבֵ֖ל יַעֲבֹ֥ד עִמָּֽךְ: כה : מא וְיָצָא֙ מֵֽעִמָּ֔ךְ ה֖וּא וּבָנָ֣יו עִמּ֑וֹ וְשָׁב֙ אֶל מִשְׁפַּחְתּ֔וֹ וְאֶל אֲחֻזַּ֥ת אֲבֹתָ֖יו יָשֽׁוּב:

Então ele o deixará, e também seus filhos com ele, e voltará para sua família e recuperará a posse de sua antiga terra.

Então, ele o deixará, e também seus filhos com ele, e voltará para sua família e recuperará a posse de sua antiga terra.

כה : מב כִּֽי עֲבָדַ֣י הֵ֔ם אֲשֶׁר הוֹצֵ֥אתִי אֹתָ֖ם מֵאֶ֣רֶץ מִצְרָ֑יִם לֹ֥א יִמָּכְר֖וּ מִמְכֶּ֥רֶת עָֽבֶד: כה : מג לֹא תִרְדֶּ֥ה ב֖וֹ בְּפָ֑רֶךְ וְיָרֵ֖אתָ מֵאֱלֹהֶֽיךָ:

Pois eles são meus escravos, a quem Eu tirei da terra do Egito; portanto, não devem ser vendidos como escravos.

Não os tratem com aspereza; temam ao seu Elohim.

כה : מד וְעַבְדְּךָ֥ וַאֲמָתְךָ֖ אֲשֶׁ֣ר יִהְיוּ לָ֑ךְ מֵאֵ֣ת הַגּוֹיִ֗ם אֲשֶׁר֙ סְבִיבֹ֣תֵיכֶ֔ם מֵהֶ֥ם תִּקְנ֖וּ עֶ֥בֶד וְאָמָֽה:כה:מה וְ֠גַם מִבְּנֵ֨י הַתּוֹשָׁבִ֜ים הַגָּרִ֤ים עִמָּכֶם֙ מֵהֶ֣ם תִּקְנ֔וּ וּמִמִּשְׁפַּחְתָּם֙ אֲשֶׁ֣ר עִמָּכֶ֔ם אֲשֶׁ֥ר הוֹלִ֖ידוּ בְּאַרְצְכֶ֑ם וְהָי֥וּ לָכֶ֖ם לַֽאֲחֻזָּֽה:כה:מו וְהִתְנַחַלְתֶּ֨ם אֹתָ֜ם לִבְנֵיכֶ֤ם אַחֲרֵיכֶם֙ לָרֶ֣שֶׁת אֲחֻזָּ֔ה לְעֹלָ֖ם בָּהֶ֣ם תַּעֲבֹ֑דוּ וּבְאַ֨חֵיכֶ֤ם בְּנֵֽי יִשְׂרָאֵל֙ אִ֣ישׁ בְּאָחִ֔יו לֹא תִרְדֶּ֥ה ב֖וֹ בְּפָֽרֶךְ:

25 : 44 – Com respeito aos homens e às mulheres que vocês tiverem por escravos: comprem escravos e escravas das nações vizinhas.

25 : 45 – Comprem também filhos de estrangeiros que vivem com vocês e membros das famílias deles nascidos em sua terra; eles pertencerão a vocês.

25 : 46 – Vocês poderão também legá-los a seus filhos; desses grupos, vocês poderão comprar escravos para sempre. Entretanto, no que concerne a seus irmãos, o povo de Israel, não tratem um ao outro de modo rude.

Este texto enfatiza de várias maneiras diferentes que um israelita (a palavra hebreu não é usada aqui) não pode ser escravizado:

  • Você não pode tratar seu parente como um escravizado (v. 39).
  • Seu parente deve ser tratado como um trabalhador contratado (v. 40).
  • Seu parente, e sua família, retorna à sua terra ancestral no ano do Iovel (v. 41).
  • o Divino libertou os israelitas da escravidão egípcia, por isso não podem ser escravizados (v. 42).
  • Não os maltrate, se deve temer ao Elohim (v. 43).
  • É permitido ter escravos permanentes do sexo masculino e feminino, mas eles devem ser não-israelitas (v. 44-46).

[Esta última lei parece uma comentário posterior. Observe o fenômeno do Wiederaufnahme (quem não souber o que é, consulte o estudo aqui) no final do verso 46, que leva o leitor de volta ao final do v. 43.]

Apesar dessas diferenças significativas, o ano do Iovel de Vaicrá parece, funcionalmente, semelhante ao ano de Shemitá em Devarim, especialmente se Devarim for entendido como determinante para que o escravizado hebreu fosse libertado no ano de Shemitá ( = ,o sétimo) ano, e não no início do sétimo ano de servidão.

7 anos versus 50 anos

A lógica do máximo de 49 anos para servidão em Vaicrá é explícita. Vaicrá descreve uma instituição de um ciclo, chamado Iovel, onde a cada 50 anos, a posse da terra retorna aos seus proprietários originais. Como a terra seria devolvida, só faz sentido que o proprietário fosse libertado para trabalhar em suas terras novamente. Uma vez que o ciclo do Iovel é fixo, isso significa que diferentes servidores eram contratados, e teriam diferentes quantidades de servidão, dependendo de quando, no ciclo, eles foram vendidos.

Vaicrá, Shemot e Devarim

Como vimos antes, a lei em Devarim é provavelmente uma revisão da lei em Shemot.

O material de Vaicrá é totalmente diferente do de Shemot, e os dois compartilham muito pouco em comum. Embora em muitas áreas básicas a lei em Vaicrá difere também da Devarim, os dois compartilham certos elementos.

Em primeiro lugar, ambos evitam usar o termo "para o servo", preferindo se referir ao homem escravizado como seu parente.)

Segundo, ambos fazem referência ao fato de que hebreus/israelitas não podem ser escravos, porque a Divindade os tirou da escravidão no Egito, então eles são ‘escravos’ metafóricos de Elohim.

Terceiro, ambos se referem a ele como semelhante ao trabalhador contratado. Assim, embora Vaicrá não tenha reescrito a lei de Devarim da mesma forma que Devarim reescreveu a lei do Sefer Shemot, parece que a lei sobre escravização, em Devarim, teve alguma influência sobre a regra que aparece em Vaicrá.

[Esta terceira semelhança pode ser evidência do reverso, que Vaicrá teve alguma influência sobre o Sefer Devarim, visto que Devarim 15:18 parece ser um comentário posterior, como apontado antes.]

Conclusão

Estas antigas coletâneas jurídicas do Antigo Oriente Próximo, seja a Coleção Bíblica do Pacto em Shemot ou as Leis Medo-Assírias, não são sistêmicas ou abrangentes, e poucas evidências sugerem que essas coleções foram usadas nos tribunais.

O chamado "direito comum" em oposição à "legislação", dominou o sistema jurídico da região do Levante neste período.

As coleções bíblicas eram então, entidades separadas, refletindo a ênfase geral ou projeto de seus editores — assim como as Leis de Eshnunna (meados de 1930 antes da era comum) e o código Hamurabi (meados de 1750 antes da era comum).

Em contraste com a coleção de leis em Devarim e a chamada Coletânea de Santidade (Vaicrá 17 - 23), a Coletânea do Pacto não tem uma origem ou ideologia clara (a maioria diz que foi um texto independente incorporado por redatores de tradição E - ou J - em sua própria obra, com pouca adulteração editorial), as outras duas coleções têm impressões digitais claras. A Coleção Deuteronômica forma o núcleo do Sefer e tradição de Devarim (D) e reflete a forma de pensar desta escola de pensamento, incorporando ideias como a proeminência da narrativa do êxodo e a importância das subclasses. O texto em Vaicrá faz parte da Coletânea de Santidade (H), e reflete a filosofia e olhar social sacerdotal.

Embora as três leis sobre escravatura pudessem, não representem exatamente os mesmos casos, as diferenças entre elas são indicativas de leis diferentes, de diferentes tempos e lugares, refletindo diferentes ideias de escravização naquela época.

Shemot é a versão mais dura, e Devarim, com sua visão humanitária, amenizando um pouco o destino do escravizado israelita.

Essa tendência continua em Vaicrá, que mais ou menos abolia a escravização, transformando escravos em fiadores, mas estendendo seu período de servidão.

Além disso, Devarim e Vaicrá desenvolvem cada uma, instituições sociais ligeiramente diferentes, o ano de Shemitá ou o ciclo de Iovel, que ajudam a melhorar o lote de escravizados e devedores.

Embora existam casos na Torá em que as diferenças entre as coleções da lei possam ser decorrentes de diferentes ênfases ou simples lacunas, este não parece ser o caso com a lei escrava.

[Por exemplo, a Coletânea do Pacto discute o caso de uma virgem que é seduzida (Shemot 22 : 15-16), enquanto a Coletânea Deuteronômica, discute uma virgem que é violada (Devarim 22 : 28-29). Isso poderia muito bem ser um caso de códigos diferentes escolhendo casos diferentes. O fato de que ambas as leis poderiam, em teoria, existir lado a lado numa coleção de leis, é demonstrado pelo fato de que as Leis da Medo-Assírias (55-56) têm ambos os casos. Para saber mais sobre isso, o nosso estudo sobre isso, aqui.]

As diferenças entre as apresentações das leis sobre escravização nas diferentes coleções, oferecem forte justificativa para alguma forma de análise crítica de origem.

As leis contradizem de forma significativa, como o escravizado deveria ser pago após a libertação e quando o escravizado deve ser solto. Este último caso, mostra uma diferença fundamental que sugere que essas diferentes leis, refletem diferentes normas de diferentes tempos e lugares.

É até possível ver, neste caso, como as leis posteriores foram, em diferentes proporções, influenciadas por regras anteriores que eles revisaram depois.

O mais revelador disso tudo, é que as leis que tratam da escravização, não foram reunidas na Torá num único lugar, e apresentadas como casos e sub-casos, como poderíamos esperar num texto de autoria única.

Em vez disso, foram apresentadas em três lugares diferentes, e apresentam leis, baseadas em diferentes concepções de escravização.

Diferenças semelhantes entre a Coletânea do Pacto, a Coletânea de Direito Deuteronômica e a Coletânea de Santidade são muitas.

A premissa básica da análise crítica de origem, de que as diferentes coleções vêm de diferentes autores, em diferentes épocas e lugares, continua sendo uma ferramenta crítica importantíssima, para a compreensão desses textos e do modo em que, essa edição final de temos, colocando tudo num único livro, incorpora todos eles.