Acusações contra o Talmud (parte 6) - Se diz que enganar gentios é permitido?

Continuando nossa série respostas - Acusações contra o Talmud - outra mentira é a seguinte:

A ACUSAÇÃO

Tudo bem enganar gentios (Sanhedrin 57a)

De todas as loucuras que antissemitas dizem essa é talvez uma das piores mentiras declaradas e refutadas até aqui: O Talmud e a literatura pós-talmúdica, de um modo claro e absoluto proíbem, sequer mentir, para qualquer um, seja israelita ou não.

É proibido trapacear ou até lucrar com mentiras.

Já ouço alguém dizer: Ah, mas tem "judeus" que fazem isso...

Bom, e daí? São criminosos como todos os criminosos. Tem Judeus e não Judeus bandidos. Tem Judeus e não judeus racistas. Tem judeus e não judeus homofóbicos.

Isso não quer dizer que a Tradição - o Talmud - diz para fazer nada disso.

A Tradição Judaica, seus ensinos, sua ética e regras, proíbe tal comportamento desde o mundo antigo. Considere as seguintes passagens:

ואי בעית אימא משום דקא גניב ליה לדעתיה דאמר שמואל אסור לגנוב דעת הבריות ואפילו דעתו של עובד כוכבים

E, se você preferir, diga que há um motivo totalmente diferente pelo qual não se pode sequer, enviar (de presente) a um estrangeiro, um corte de carne da coxa de um animal, sem antes, ter removido o nervo ciático: Porque, ao fazer isso, se considera que se estaria enganando o estrangeiro. O estrangeiro pensaria que, por estar recebendo um presente de um israelita desse tipo (um corte de carne), ele já teria se esforçado naturalmente para tirar o nervo ciático da coxa - pois é o que o israelita faria para ele mesmo, para a carne fosse permitida para consumo, já que ele enviou isto de presente para o estrangeiro - O estrangeiro, portanto, apreciaria mais o presente, percebendo que o nervo ciático foi removido, mais do que se descobrisse que não foi. Assim disse Shmuel: É proibido enganar as pessoas, e até mesmo enganar um idólatra!

Esta afirmação é clara, e reiterada no famoso trabalho jurídico de Maimonides, o Mishneh Torah (Hil'hot Deot 2 : 6) e no Shul'han Aru'h ( Hoshen Mishpat 228 : 6).

O conceito é evidente em toda a literatura judaica.

Alguns outros lugares onde pode ser visto, como sendo considerado lei são:

Escritos do rabino Iom Tov ben Avraham Alashbili, Hidushei HaRitva, Hulin; escritos do rabino Iehudá HeHassid, Sefer Hassidim, 51; textos do rabino Eliezer de Metz, chamado Sefer Ierei'im, 124; escritos do rabino Elazar Azkiri, chamado Sefer Haredim, 29 : 20; textos do rabino Iehudá Rosannes, chamado Dere'h Pekudeha, 2 : 36 : 2; textos do rabino Moshe de Coucy, chamado Sefer Mitzvot HaGadol (ou, Smag), 1 : 74, 2 : 155; Textos do rabino Ioná de Gerona, na obra Sha'arei Teshuvah, 3 : 184; escritos do rabino rabino Shmuel Eidels, chamado Hidushei Maharsha - Hidushei Agadot, Hullin.

Talvez, nenhuma evidência mais clara disso tudo exista, do que o seguinte texto de Maimonides (que era do século XII) em seu comentário ao Mishná declara:

וכן אינו מותר הבדוי והתחבולה ומיני הרמאות והאונאות והעקיפים על העובד כוכבי' אמרו (חולין צד.) (ע"ה) אסור לגנוב דעת הבריות ואפי' דעתו של עובד כוכבים וכ"ש בדבר שיוכל לבא לידי חלול השם שזהו חטא גדול והגעה לאדם תכונות רעות ואלו הרעות כולן אשר ביאר הש"י שהוא יתעב אותם ויתעב עושם אמר (דברים כ״ה:ט״ז) כי תועבת ה' אלהיך כל עושה אלה

...e de modo similar, mentiras, truques, subterfúgios, trapaças e evasão contra idólatras são comportamentos proibidos. Eles disseram [como citado antes:] 'É proibido enganar qualquer um, até mesmo um idólatra'; e ainda mais porque isso pode levar à profanação do nome Divino. Pois isso é um grande erro, e a pessoa que comete esse erro, se envolve em características de comportamento de gente má. E sobre todas essas ações perversas a divindade explicou ser aquilo, sobre o que o texto diz, que o Divino ficará enojado com eles (os que agem assim) e com aqueles que as praticam (imitando quem age assim), como se diz: (Devarim 18 : 12) "Pois, quem faz isso é uma abominação para Elohim"

Com isso em mente, vamos abordar o texto em questão:

אמר שמואל טעותו מותרת כי הא דשמואל זבן מכותי לקנא דדהבא במר דפרזלא בד' זוזי ואבלע ליה חד זוזא

A Guemará acrescenta: Shmuel disse que seria permitido se beneficiar financeiramente, de um erro comercial de um idólatra, ou seja, que não precisaríamos devolver. A Guemará observa que, seria como aquele incidente, em que Shmuel comprou uma tigela de ouro [לקנא lakna] de um idólatra, em troca [במר bemar] pelo preço de uma tigela de ferro, que era de quatro dinares, e Shmuel incluiu um dinar adicional, no pagamento para que o idólatra não percebesse seu erro.

O Talmud, nesta cena, não está afirmando que seria permitido enganar um idólatra. Vimos antes, que o Talmud proíbe especificamente isso.

O que o Talmud está dizendo nesta cena, é que nas relações comerciais normais, onde para cada parte de uma transação qualquer, se deve ser responsável, cada um pelo seu lado do negócio, precisaríamos reconhecer a necessidade disso. Se deve sempre fazer negócios, prestando muita atenção em tudo. Um acidente ocorrido, não invalida só por isso, o negócio realizado.

Na cena, se Shmuel encontrou uma "tigela barata" e, depois de acidentalmente pagou mal - tipo, aceitando comprar mais cara - o vendedor não pode ser acusado de ter "roubado" seu dinheiro. Se Shmuel fizesse isso, não era obrigado - pela lei judaica - a corrigir o vendedor. Foi um erro acidental mas, a transação é válida.

O vendedor foi negligente, é verdade, mas Shmuel não tinha obrigação - pela lei judaica - de corrigir seu erro acidental.

Para "os irmãos e parentes" porém, se deve "ir além da prática padrão" nas relações comerciais, e ativamente "procurar para corrigir, todos os erros" - devolvendo uma soma desconsiderada errada, explicando todos os mal-entendidos, etc.

No entanto, para uma relação comercial com estranhos, mesmo que considerando o respeito mútuo e compreensão - a lei judaica - não força "ir além" e tratar estranhos como se fossem família. Ela exige comportamento normal, negócios em que, cada um cuide bem do acordo. Se ocorrer um erro aqui e ali, acidentalmente, não fomos obrigados a ir lá descobrir cada mínimo detalhe.

Isso é bem óbvio. Os rabinos não queriam que a lei judaica, gerasse uma "polícia" da moralidade impossível. Isso tornaria as relações impossíveis. Estranhos não nos tratam como "família". Especialmente, judeus. Muito pelo contrário!

Caso o precedente não tenha sido claro, deixe-me reafirmar:

Um israelita não é obrigado pela lei judaica, a corrigir os erros ocorridos em negócios de um idólatra. Está falando de erros acidentais.

O israelita não pode enganar o idólatra, mas se o idólatra foi descuidado, então a venda realizada sob tal erro acidental, será considerada válida, pela lei judaica. O mesmo ocorre na lei dos idólatras: Se você não cuidar dos acordos que assina, lendo tudo e se certificando de tudo, você não poderá reclamar depois. O mesmo aqui. Porque? Porque não pode haver transações comerciais, sem margem de erro, e liberdade de negociação, oras.

A seguir, apenas algumas fontes que afirmam explicitamente que o Talmud estava apenas se referindo a erros acidentais:

Maimonides, Mishneh Torah, Hil'hot Guenevah 7 : 8; comentários do rabino Mordehai Ashkenazi, Mordechai, ao final do tratado de Bava Batra; Hinu'h, 258; textos do rabino Shlomo Luriah, Iam Shel Shlomo sobre Bava Kama 10 : 20; textos do rabino Efraim Navon, chamado Mahaneh Efraim, Hil'hot Guezevah 4; textos do rabino Iehoshua Falk, no Sefer Me'irat Einaim, sobre o Shul'han Aru'h, Hoshen Mishpat 283 : 6 e 359 : 3.