A Meguilat Ester é o livro do Tanach que conta a história de Purim. Uma dentre as diversas preciosidades que o livro guarda está o tema do mistério, uma vez que sua personagem principal, Ester, vive um dilema entre esconder e revelar sua identidade. O próprio nome meguilá vem do hebraico legalot, que significa descobrir. Nesta história, a todo momento tem algo sendo omitido, escondido e, em seguida, descoberto, revelado.
Durante toda a narrativa há informações decisivas sendo privadas do conhecimento de alguma personagem. Apenas o leitor tem o conhecimento de todas as informações e fica na expectativa do que será revelado, como e o que isso ocasionará. Além disso, as passagens mais importantes acontecem mediante segredos ou omissões relevantes. Vamos aos fatos.
A primeira passagem é certamente a mais emblemática. Quando o Rei Achashverosh vai escolher a nova rainha, Ester se candidata omitindo sua identidade judaica. Ela faz isso por sugestão do seu tio Mordechai e oculta, inclusive, seu nome judaico, Hadassa.
Logo após ser escolhida como rainha, uma passagem curta mas determinante para a sequência da história, conta que Mordechai testemunha um plano para assassinar o rei e trata de informá-lo rápido, por meio de Ester. Os algozes são presos e o fato é registrado no livro das crônicas do rei.
O grande evento que determinará o curso da história acontece quando Haman, um ministro importante, chama o rei para denunciar um povo, cujo nome não especifica, dizendo:
Ele pede autorização para exterminar este povo, ao que é concedido por Achashverosh. Curioso que Haman, antes de falar com o rei, já tinha lançado o sorteio (Pur) do dia em que seriam destruídos os judeus. Cabe lembrar também que Haman busca o rei após se enfurecer com Mordechai por ele se curvar diante do ministro. Mas não fez chegar isso ao Achashverosh.
Um fato cômico da história e não menos relevante, também está atravessado pela lógica do mistério e da revelação. Em uma noite, após o edito real ter percorrido todo o reino e Mordechai levar a notícia a Ester, o rei é acometido por uma insônia. Achashverosh lê seu livro de crônicas e lembra-se que não agradeceu Mordechai após este salvar-lhe a vida. Decide então chamar seu ministro para saber como prestigiar o benfeitor. O rei pergunta a Haman o que deveria ser feito a um homem a quem se deseja honrar. Pensando que Achashverosh se referia a ele, Haman, o ministro fala toda sorte de honraria, como um desfile a cavalo com uma veste real e uma coroa. Pois para sua surpresa e humilhação, a honraria era para Mordechai, seu algoz, a quem Haman deve providenciar o desfile. Esta cena não altera os rumos da história, mas é um trecho que a enriquece com detalhes. Uma verdadeira anedota em que Haman é traído por sua própria arrogância e egocentrismo ao não perceber que o rei se referia a outra pessoa, no caso, seu maior desafeto. Aumenta o drama e aguça ainda mais as emoções já exacerbadas.
Por fim, a grande revelação. Ester assume o risco e o protagonismo na história e revela sua identidade ao rei para tentar salvar o povo judeu. Ela faz isso na presença de Haman, que tampouco sabia que ela era judia e mais uma vez é surpreendido diante do pedido da rainha para que seu povo não fosse exterminado. Além disso, Ester acusa Haman da trama e, felizmente, tem a anuência do rei que fica ao seu lado, condenando Haman a morte. Ao final, Haman é enforcado na forca que ele mesmo construiu para enforcar Mordechai.
São 5 cenas envolvendo estas 4 personagens. Mas Ester e Mordechai, ambos judeus, ocupam sempre o mesmo lugar em uma tríade que envolve poder, mistérios e revelações. O rei, quem detém o poder toma as decisões finais, e a tensão entre o algoz Haman e a vítima Ester/Mordechai (representantes do povo judeu). Haman e Ester/Mordechai buscam exercer influência sobre o rei e travam uma disputa silenciosa por baixo do pano, para defenderem seus interesses. Enquanto Haman quer destruir os judeus, Ester/Mordechai querem salvar seu povo. O tempo e o modo como cada um faz chegar informações ao rei influenciam em sua tomada de decisões, assim como a relação de admiração, gratidão e confiança que se criam entre o rei e tais personagens.
A Meguilat Ester é um livro incrível que trata de questões políticas e sociais, por meio de aspectos culturais e bons toques de humor. É o único livro do Tanach que retrata uma história da diáspora e onde não aparece o nome de Deus. Isso o torna ausente? Aí já é outra história…