Save "Motivos para o obituário prematuro de Abraham
"
Motivos para o obituário prematuro de Abraham

Avraham teria sido o que hoje chamamos de Sandek (o que segura a criança) no brit-milah (circuncisão) de seus netos, Essav e Iáacov?

Avraham chegou a ensinar seus netos sobre o Elohim?

Que conselho ele teria dado ao filho, durante os 20 anos que Itzhak e Rifka ficaram sem filhos?

Nunca saberemos.

Acontece que a narrativa da Torá nunca nos diz algo sobre o relacionamento de Avraham com Itzhak (depois de seu casamento com Rifka) ou mesmo, com seus netos.

Mas, alguém perguntaria:

Não é porque Avraham morreu antes de Itzhak ter filhos? A morte de Avraham está registrada em Bereshit 25 : 8 e o nascimento de Iáacov e Essav estaria registrado, apenas mais tarde, no mesmo capítulo.

Na realidade, as coisas são mais complicadas do que isso.

De acordo com Bereshit 25 : 7, Avraham viveu até a idade de 175 anos, e de acordo com Bereshit 21 : 5 Avraham teria já 100 anos, quando Itzhak nasceu, o que significaria que Itzhak teria que ter 75 anos quando seu pai morreu.

Visto que Itzhak teria 40 anos, quando se casou e 60 anos, quando seus filhos gêmeos nasceram, Avraham teria 35 anos para passar com seu filho casado e a nora, e mais 15 anos para passar com seus netos!

Considerando isso, parece muito mais do que "um pouco estranho", que o aviso de morte de Avraham apareça, antes do relato do nascimento de seus netos, como se fosse o caso de, uma vez que Itzhak se casou, os seus 35 anos de vida subsequentes, não significassem nada.

Apesar da falta de qualquer conexão explícita entre Avraham e seus netos na Torá, o Midrash é claro, tenta preencher esse vazio. Sinal de que o vazio foi percebido.

Para ser específico, os rabinos se concentraram no dia da morte de Avraham, que eles identificaram como o dia em que Iáacov forçou Essav a lhe vender a primogenitura. Iáacov estava cozinhando lentilhas - uma refeição tradicional para os enlutados judeus, numa interpretação anacrônica - para então, alimentar seu pai (Itzhak), indicando que estava começando o período de luto por seu próprio pai (Avraham).

Claro, tudo isso, imaginando os Patriarcas seguindo "regras judaicas" que só surgiriam séculos depois...

Os rabinos foram ainda mais longe, ao conectarem as narrativas e sugerirem que a bênção que Avraham recebeu em sua velhice (Bereshit 24 : 1) foi que Essav não se rebelasse durante sua vida (tratado de Kidushin 5 : 18; tratado de Baba Batra 16b) .

O que os rabinos desejaram expressar com isso?

Uma interpretação sugere que o amor de Avraham por seus netos, teria sido a razão de sua morte "precoce".

Fazendo uma inserção do verso que descreve Iáacov cozinhando lentilhas, o Rashi escreveu:

ואותו היום מת אברהם שלא יראה את עשו בן בנו יוצא לתרבות רעה, ואין זו שיבה טובה שהבטיחו הקדוש ברוך הוא, לפיכך קצר הקדוש ברוך הוא חמש שנים משנותיו, שיצחק חי מאה ושמונים שנה וזה מאה שבעים וחמש שנה.

E naquele dia, Avraham morreu, para que não visse Essav, seu neto, caindo em maus caminhos, pois aquela não seria a “boa velhice” que o Santo, bendito seja, havia prometido a ele. Portanto, o Santo, bendito seja, encurtou sua vida em cinco anos, pois Itzhak viveu cento e oitenta anos, e este (Avraham) [viveu] até cento e setenta e cinco.

Uma interpretação diferente, também enfatizando a conexão entre a morte de Avraham e a história da primogenitura, considera a causa e o efeito, trabalhando na direção oposta. Em Bereshit Rabá (63 : 12), o rabino Shimon afirmou que no mesmo dia em que Avraham morreu, Essav cometeu dois pecados: assassinato e estupro de uma mulher casada; o rabino Berehiah adicionou até roubo à lista.

Em sua palestra transcrita, The Personality of Esav - A personalidade de Essav - o rabino Israel Chait sugeriu que isso não teria sido coincidência, mas sim que a morte de Avraham que teria causado o comportamento de Essav.

Na leitura do rabino Chait, a questão do problema era justamente que Essav demonstrava grande afeto e respeito por Avraham. Durante a vida de Avraham, Essav não se desviou para seguir em caminho dos perversos. Avraham era uma figura ideal, um verdadeiro Tzadik. Essav tinha fortes tendências instintivas, mas ele via Avraham como uma imagem da imortalidade, porque Avraham era justo. Esta imagem de Avraham o impedia de pecar. Essav projetou tais ideias sobre Avraham, porque ele era um indivíduo verdadeiramente justo, uma imagem da imortalidade ... Essa fantasia sobre a imortalidade, teria impedido Essav de viver uma vida de pessoa perversa. Após a morte de Avraham, sua fantasia de imortalidade foi destruída. Essav concluiu erroneamente que não havia conceito de recompensa, uma vez que ele só via a recompensa em termos físicos... Após a morte de Avraham então, ele cometeu os pecados porque foi dominado pelos desejos físicos. A morte de Avraham removeu todos os impedimentos do pecado.

Por mais inspiradoras e criativas que sejam essas interpretações, elas realmente não explicam por que o aviso de morte de Avraham precedeu dentro da narrativa, o relato do nascimento de Essav e Iáacov. Elas apenas desviam a atenção disso.

Na verdade, no Sefer Ha-Iashar (um Midrash criado em meados de 950 a 1550 da era comum), temos o exemplo de uma obra que procurou reescrever as narrativas bíblicas, a morte de Avraham foi narrada "após" o nascimento dos filhos de Ishmael e após o nascimento de Iáacov e Essav, e imediatamente antes, do relato das lentilhas - exatamente onde o texto rabínico e literaturas inspiradas nele, acreditaram que deveria ter sido colocada. Isso ajudou a ideia a ficar popular. No entanto, não é onde aparece na Torá. Isso não pode ser simplesmente ignorado.

Além disso, Sefer Ha-Iashar lida em sua narrativa, com a aparente ausência de um relacionamento entre Avraham e seu filho e nora no texto da Torá, fazendo de Avraham, um dos profetas com quem Rifka se consultou, sobre sua gravidez difícil e adicionando um longo discurso, no leito de morte de Avraham a Itzhak. A tendência de ler Midrashim literalmente, fez com que muitas pessoas ignorassem que, no entanto, nada disso aparece na Torá.

Alguns estudiosos modernos da Bíblia Hebraica, porém, ofereceram uma sugestão que elimina todo o problema e não requer nem reinventar a história, nem distorcer o que o texto diz. Primeiro, um reconhecimento de certos fatos:

- Os versos que descrevem a morte de Avraham e sua longa vida vêm da fonte tradicional específica: A tradição P ou sacerdotal.

Isso é importante de se saber pois, uma das principais preocupações de redatores da tradição P era descrever "detalhes" que não estavam no manuscrito que estavam trabalhando, como nascimento, morte, idade e descendência. Teriam sido esses redatores que, em seu período, criaram tais referências que vemos no texto.

A fonte tradicional J, que registra grande parte da história de Itzhak e seus filhos, não discute a morte de Avraham ou sua vida excepcionalmente longa, dita de 175 anos.

Portanto, é muito possível que na fonte tradicional J não se falasse que Avraham tivesse vivido para ver o nascimento de seus netos.

Acadêmicos também notaram que a questão de Avraham ter participado do brit milah de seus netos era discutível para redatores da tradição J - e embora as fontes não-P (não sacerdotais) pudessem reconhecer a prática da circuncisão - seria apenas na tradição propriamente P [ou seja, Bereshit 17] que se insiste na circuncisão "no oitavo dia".

Só depois que a Torá foi redigida, pela combinação das várias fontes tradicionais, é que surgiu o problema com o qual os Sábios tentaram lidar depois - sua ausência incomum na narrativa.

É importante notar que este mesmo problema, personagens cujas mortes são registradas “cedo” demais, ocorre repetidamente na Torá, provavelmente pelo mesmo motivo.

Outros exemplos de tais personagens são Noah, Tera'h e Itzhak.